“A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Esse pensamento do nosso grande educador Paulo Freire tem me intrigado esses dias. Busco sua relação com área do conhecimento que dediquei parte da minha, o Direito, e encontro no professor e jurista francês Georges Ripert a síntese profunda da relação da “nossa Lei 12.086” com a realidade das Praças do Distrito Federal: “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”.
Sim, a história do FONAP tem muito a ver com a leitura do nosso mundo, nossas experiências, com a força impactante de uma Lei imposta que modificou planejamentos, expectativas, enfim arranhou as emoções de homens que confundem o exercício da profissão com o sentido da sua vida, a sua realidade, o seu sentido de mundo.
Era 2014 e a consternação por uma injustiça trazida pela Lei nº 12.086 instigava alguns homens pela iniciativa necessária de mudar um cenário aterrador do laissez faire laissez passer da história das praças: “sempre fizeram as escolhas por elas”.
Era preciso fazer alguma coisa. A satisfação com o término de processo seletivo para cabos e sargentos não poderia ser compensada com outro processo seletivo limitador da carreira das Praças, inibidor do fluxo promocional de maior amplitude e do olhar num número maior de promoções.
Não é o que as Praças almejam. Como asseverado pelo Senado Federal, pela Advocacia-Geral da União, pela Procuradoria-Geral da República e pela Procuradoria do Distrito Federal, a nossa carreira inicia como soldado e vai até major, e não até subtenente.
Nascia, assim, uma proposta inovadora de mudar a prática da “luta pelos direitos”[1]. Subir no carro de som não combinava com protagonistas mais tímidos na arte de falar para multidões.
A realidade, então, já conhecíamos. A leitura da realidade que as Praças faziam era a de que mais uma vez sucumbir-se-ia toda uma carreira. Era preciso partir para a “palavra” e tentar colocar o Direito a par da realidade.
Era preciso buscar as ferramentas, os instrumentos a serem utilizados no caldo de realidade e Direito. A qualificação da Praça é uma realidade e a Constituição traz mecanismos para potencializar o exercício da cidadania num Estado Democrático de Direitos.
Debruçamos sobre esses mecanismos. Vimos que o objetivo do Estado Brasileiro de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I) tinha tudo a ver com nossa causa, afinal temos um pouco da realidade geral no nosso nicho social de “minoria”.
Vimos também que a coluna vertebral da nossa República tem entre os seus esteios a cidadania, a dignidade da pessoa humana. O jogo valores trazidos pela nossa Carta, então, fascinava: temos o Estado e sua soberania (art. 1º, inc. I), mas o ponto central desse Estado é o ser humano (art. 1º, inc. III) que encontra na cidadania (art. 1º, inc. II) a razão necessária para a construção do aparato na defesa dos nossos direitos.
O Estado não é um fim em si mesmo, mas o homem que é o fim em si mesmo, portanto, o fim do Estado é o homem. O que legitima o Estado é o homem. Genial a contribuição de Kant para a história da humanidade.
Uma andorinha só, entretanto, não faz verão e a Carta que traz grandes valores humanos não olvidou dessa máxima. A realidade de que a união de pessoas fortalece a possibilidade de expressão, de ser ouvido pelo Estado, não passou despercebida e um dos estais dos fundamentos da República, a cidadania, ganhou enorme potência com a colocação da associação de pessoas no título dos direitos fundamentais (art. 5º, incs. XVII, XVIII, XIX, XX e XXI).
Pronto, diante da REALIDADE e do DIREITO, criamos o FONAP em 13 de maio de 2015, uma associação que nos seus dois anos de existência já mostrou a capacidade de alinhar o rumo da história das praças ao novo século que se inicia.
[1] As aspas referem-se ao título de livro inspirador do jusfilósofo Von Ihering.